A mesa redonda desse mês (julho/2015) tem como tema: "Perfumes Góticos".
Eu sempre me perguntava o que as pessoas queriam dizer quando classificavam um perfume como gótico mas isso ocorria porque eu via inúmeras menções a perfumes que não tinham a ver com o termo e isso no fim me confundia.
Um perfume gótico, para mim, é um perfume sombrio, que evoca presenças e ambientes que podem ir do enigmático ao fúnebre, mas sempre com ares de mistério.
Eu não pensei duas vezes ao escolher o perfume a ser resenhado até porque o perfume é que escolheu o tema, e pelo que tenho visto das resenhas dos colegas, parece que estamos diante de uma unanimidade no quesito fragrância gótica e "dark": John Galliano em sua versão EDP é este perfume.
Lançado no ano de 2008, por Christine Nagel e Aurelien Guichard, sua pirâmide olfativa possui as seguintes notas:
notas de saída: aldeídos, angélica e bergamota
notas de coração: rosa, violeta, peônia, íris e lavanda
notas de base: âmbar, patchouli, incenso e cedro
Desde que conheci este perfume, de fixação e durabilidade muito dignas, eu fiquei deslumbrada porque ele reúne elementos que muito me interessam, como flores de feminilidade incontestável, no caso, rosa e violeta, mas ambas dentro de um conceito "abafado", empoeirado pela presença do incenso puro de igreja. Além disso, ele contém uma das características que mais me agradam que é o tom assabonetado, um aroma aqui que não é limpo (mas isso não significa que seja "sujo"), pois o que ocorre na verdade é a sensação de estar diante de flores que estão iniciando seu processo de despedida do mundo material.
Elas são flores que ainda contém o sopro da vida mas, com suas densas seivas, sabem que estão diante do mistério semi insondável da morte e por esta razão surgem como que "embalsamadas" por unguento de óleo de cedro, aldeídos e ervas.
Há algo neste perfume que transita entre o sacro e o profano, como se após dias de folia, de festas e excessos de toda ordem a mensagem passada é a de que chegou a hora do descanso, de diminuirmos o ritmo e despir-mo-nos das agitações da matéria. Para isso, ele nos oferece a possibilidade de voltarmos nossas atenções para o silêncio depurador das paragens metafísicas cuja ponte aqui é estabelecida através do aroma do incenso puro e seco.
Para coroar tal líquido intrigante foi-lhe dado um frasco de notável beleza, rebuscado e em tons violáceos, que lembra um tecido fino jogado sobre um corpo delgado e que vem cingido no pescoço por um lenço negro arrematado por fulva rosa. Sempre ela, a rosa.
A caixa que parece um livro é de um rosa-chá em seu interior, onde estão gravadas em letras góticas textos como que a reproduzir a escrita de um jornal.
O resultado é eletrizante!
Quarta-feira de cinzas
Do portão de ferro é possível ver
Cinzas espalhadas pelo solo sagrado
Uma rosa caída em cada ponto marcado
Traçado em íris de um colorido aziago
O silêncio reina na morada ancestral
O ar carregado de polvoroso aldeído floral
Fragmentos sintéticos de recente liturgia
Incenso terroso atado à lavanda sombria
Seres ocultos entre lápides de concreto
Cânticos mórbidos num sussurrado dialeto
Um vulto gélido corta a secular macieira
Em vestes de pierrot e face de caveira
Seu riso feéreo de um agudo tom metálico
Ecoa na noite um tal bafejo animálico
Reluz o brilho de garras de metal
Os ponteiros do relógio se abraçam
É meia-noite no portal
Estátuas de pedra prendem a respiração
É servido o exótico chá do Ceilão
Cintila o fogo-fátuo de sonífero azul-lilás
Lembrando que ali o que reina é a paz
Gravado no mármore em desconhecido alfabeto
À feição de prece mas com ares de decreto:
-Jogas ao solo essa rosa telúrica!
-Jogas ao solo essa rosa telúrica!
-Despe-te das vestes deste funeral
-Liberta os átomos de cada base púrica
-Estremeça, cada cipreste, seu esqueleto herbal
E da suave neblina de um buquê violeta
E da suave neblina de um buquê violeta
Emerge a cruz de granito como pedra de roseta
Restando solitária uma peônia na lapela
Soa o lúgubre sino ao longe na capela
O lamento do órgão de cedro no subterrâneo
Espalha notas angélicas de um canto gregoriano
Esculturas resinosas repousam num pedestal
E espreguiçando suas aromáticas peles
Acordam banhadas por "um sol opaco e reles
de cemitério e carnaval" *
* "Esta é a grande vantagem da morte, que, se não
deixa boca para rir, também não deixa olhos para chorar... Heis de cair. Turvo
é o ar que respirais, amadas folhas. O sol que vos alumia, com ser de toda
gente, é um sol opaco e reles, de cemitério e carnaval."( Machado de Assis-Memórias Póstumas de Brás Cubas-cap 71)
Deixo abaixo algumas imagens inspiradoras que acho que combinam com o perfume.
Os blogs participantes de mais esta rodada estão abaixo listados para que o leitor possa conhecer os interessantes pontos de vista dos colegas apaixonados por perfumes.
Diana:http://aloucadosperfumes.com/2015/07/16/perfumes-goticos-mesa-redonda-dos-blogs-perfumados/
Elizabeth Casagrande:http://www.perfumebighouse.com/
Juliana Toledo:http://lemondeest.blogspot.com.br/
Luciana Marques: http://www.floraleamadeirado.com/2015/07/mesa-redonda-perfumes-goticos.html